23 maio 2003

UM CONTO DE ANJO...breve nas melhores livrarias
BODAS DE PRATA
Mariazinha Cremasco

"Ele faz o noivo correto e ela faz que quase desmaia.
V�o viver sob o mesmo teto at� que a casa caia"*
Ela gostava tanto de beijar. � bom beijar. Sentir a presen�a. Cumplicidade. Atrav�s do beijo. Desejo. Por�m, � medida em que o tempo foi passando beijavam-se cada vez menos.
Faziam religiosamente as mesmas coisas, todos os dias. Cada qual com suas manias.
- Odeio a risadinha esquisita do seu irm�o.
- �? Detesto a cara exageradamente pintada da sua irm�, aquela linguaruda.
- Seu irm�o � um fracassado!
- Voc� est� mal de fam�lia, heim?
Ela vivia a vida num ritmo r�pido demais para o gosto dele. "Quem casa quer casa".
"Ele � o funcion�rio completo e ela aprende a fazer suspiros.
V�o viver sob o mesmo teto at� trocarem tiros"*
Releu os cart�es dele, aqueles do tempo em que ainda mandava flores. Ficava t�o feliz com esses pequenos e espa�ados mimos. Notou j� naquela �poca ele era frio. "Precisamos comer muitos quilos de sal pra nos conhecer". Pensou que j� tinham comido toneladas de sal durante os anos de casados e ainda eram estranhos.
Ah, essa emo��o ainda a mataria. Vontade de chorar. Por que hoje estava recordando s� coisas infelizes? Vida. A vida � sonho? A vida � recordar, renovar, recome�ar. Recome�ar de onde? De que ponto? Melhor deixar como est�. "Comeu a carne? Agora que roa o osso!".
Ela queria aplausos. Recebia cr�ticas. Queria brilho. Recebia mais cr�ticas. Queria ouro e recebia bronze, isso se recebesse. Ah, imagens da vida. Planos de vida. Balan�o de vida. "Quando a mis�ria entra pela porta, o amor sai pela janela"
Tudo o que ele queria era sossego, ficar quieto. N�o queria ser questionado, assediado por nada. Televis�o era tudo o que precisava para ficar bem. "Desliga esse r�dio!".
Quantas coisas nas prateleiras da mem�ria. Somos o presente. O jantar est� na mesa. Sil�ncio. Falta de espa�o. Todos os dias s�o assim. Ele tenta n�o reclamar. Ela quer brigar com Deus. "Existe uma linha t�nue entre o amor e o �dio".
"Ele fala de cianureto e ela sonha com formicida
V�o viver sob o mesmo teto at� que algu�m decida"*
Est� chovendo. Ela pensa em que cor de esmalte deveria passar nas unhas. Pergunta a ele sobre a renova��o do seguro do carro. Ele n�o ouve, mas reclama da chuva. Amanh� vai ter enchente. Ela pensa na camisola nova que viu na loja. Continua precisando de brilho, aplauso. Ele n�o liga para essas coisas. "Te prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na sa�de e na doen�a".
O homem que ela um dia amou n�o � mais o homem que ela ama. Ela tamb�m j� n�o � a mesma mulher. N�o riem juntos. Sequer choram juntos. Mas pelo menos ainda brigam de vez em quando. Assim sentem-se vivos. "Falem agora ou calem-se para sempre".
Raz�o, emo��o, paix�o, tes�o, amizade, cumplicidade. Cada um dentro de si, calado, trancado. Almas esmigalhadas. Migalhas. "Migalhas dormidas do seu p�o. Raspas e restos me interessam". Interessam?
Casamento. Seria como aquela piada? "Casamento � como a Avenida Paulista: come�a no Para�so e termina na Consola��o".
"Ela esquenta a papa do neto e ele quase que fez fortuna
V�o viver sob o mesmo teto at� que a morte os una"*


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