22 janeiro 2008

Consertador de coisas




Pintura de Luisa Cortesão


Tem hora que a casa toda resolve emperrar.


Uma fechadura que funcionava lindamente, de repente engripa; um varal funcional rompe a cordinha quase que na mesma hora; a torneira do chuveiro resolve não fechar direito e a preciosa água começa a pingar irritantemente; quebrou uma telha ou ha um vazamento, voce precisa urgentemente de um eletricista e de um encanador e cadê???


Mas eu descobri que meu irmão tem um dom herdado de um velho tio-avô, chamado Estevão.


Esse tio da minha mãe era um consertador: remendava xícaras de porcelana da minha avó Ana, sua irmã com uma santa paciencia e recuperava direitinho a porcelana e olha que na época nem tinha durepox! Ele confeccionava canivetes, cabos de facas de osso, tinha uma pequena forja no quintal da sua casa e fazia até bengalas lindas.


O tio Estevão era um solteirão convicto, havia uma estoria de que ele se casara uma vez, a mulher fugiu com outro e ele virou um eremita mas ninguem conseguiu provar nada. Era natural de Santo Andre-SP, na época uma cidadezinha simples, cheia de tecelagens, muito provinciana mas uma delicia para se viver.


Meu tio avô morava em uma casa que dava os fundos para a casa da minha avó Ana, eles abriram uma passagem no fundo da casa e ele fez um portão de madeira, fez uma forja, algo que servia para derreter metal ou coisa parecida e ali se instalou, firme e forte, junto da unica irmã mas com a sua independencia preservada. Mais ou menos, porque minha avó teimava em ir limpar a casa dele, em lavar a roupa dele e ele ficava fulo com ela fazendo isso sem a sua permissão, brigavam e o portão dos fundos era fechado ate que eles fizessem as pazes...


Sua casa se resumia em um quarto-cozinha, no fundo de um grante terreno, cheio de pés de frutas e canteiros de verduras que minha avó cuidava e onde os sobrinhos netos passavam a maior parte do tempo nas férias.


Tio Estevão comia o que minha avó fazia ou cozinhava lá do jeito dele quando brigavam, viajava vez ou outra pra São Paulo para ir dançar no Cassino Vila Sofia ( eu desconfio que lá tambem tinha alguma mocinha engraçadinha, hehehe), depois ia visitar as sobrinhas (minha mãe e minha tia) e se divertir com os sobrinhos-neto (meus irmãos, meus primos e eu) que nos deliciavamos com suas aventuras. Ele foi muito amado e é recordado por todos como uma lenda amada.


Mas essa estoria me veio à memoria ao ver meu irmão sentado em um banquinho, no meu quintal, com uma serra fazendo um conserto no meu quintal...fiquei ate com vontade chorar, da saudades que me deu do meu tio Estevão tão querido. E em ver meu irmão, tão entretido e interessado nesse tipo de trabalho, me convenceu que a faculdade e a modernidade só deixaram aflorar agora nele, esse espirito de consertador.

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