13 março 2003

Vejam que linda poesia sobre o gato, e feita ninguem mais que Pablo Neruda, "roubada"de l�
ODE AO GATO

Pablo Neruda
tradu��o: Eliane Zagury

Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabe�a.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, gra�a v�o.
O gato,
s� o gato apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e p�ssaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro � um le�o desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser s� gato
e todo gato � gato do bigode ao rabo,
do pressentimento � ratazana viva,
da noite at� os seus olhos de ouro.

N�o h� unidade
como ele,
n�o tem
a lua nem a flor
tal contextura:
� uma coisa
s� como o sol ou o top�zio,
e a el�stica linha em seu contorno
firme e sutil � como
a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma s�
ranhura
para jogar as moedas da noite .

Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem p�tria,
m�nimo tigre de sal�o, nupcial
sult�o do c�u
das telhas er�ticas,
o vento do amor
na intemp�rie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro p�s delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
� imundo
para o imaculado p� do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vest�gio da noite,
pregui�oso, gin�stico
e alheio,
profund�ssimo gato,
pol�cia secreta
dos quartos,
ins�gnia
de um
desaparecido veludo,
certamente n�o h�
enigma na tua maneira,
talvez n�o sejas mist�rio,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
propriet�rios, tios
de gato, companheiros,
colegas,
disc�pulos ou amigos do seu gato.

Eu n�o.
Eu n�o subscrevo.
Eu n�o conhe�o o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquip�lago,
o mar e a cidade incalcul�vel,
a bot�nica
o gineceu com os seus extravios,
o p�r e o menos da matem�tica,
os funis vulc�nicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas n�o posso decifrar um gato.
Minha raz�o resvalou na sua indiferen�a,
os seus olhos t�m n�meros de ouro

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